Associações e movimentos alertam para o risco iminente de destruição das Alagoas Brancas e apelam à intervenção imediata do Ministro do Ambiente e da Acção Climática na véspera da discussão, no parlamento, de várias propostas de resolução para a protecção desta zona de interesse público. Esta situação decorre do incumprimento do regime de Reserva Ecológica Nacional aquando da revisão do Plano Director Municipal de Lagoa, no Algarve.
As Alagoas Brancas são uma importante reserva de água doce, estabelecida numa zona cársica e inserida num aquífero aluvionar que integra a Reserva Ecológica Nacional, e que se encontra em vias de ser destruída para construir mais uma superfície comercial.
Caso este investimento avance, será terraplanado um ecossistema extremamente rico, levando à destruição de importantes redutos de flora importantíssima das Alagoas Brancas, bem como o habitat de centenas de espécies de fauna. Para além disso, é posta em risco a segurança de pessoas e bens, quando se permite a construção de uma grande superfície comercial numa zona de aquífero, onde há risco evidente de inundações e cheias.
Esta destruição ambiental e o risco associado poderiam ser facilmente evitados bastando para isso mudar a localização deste investimento para um dos muitos terrenos disponíveis nas redondezas.
As associações signatárias apelam ao Ministro do Ambiente e da Acção Climática para defender o bem público de valor excepcional que está aqui em causa e, no âmbito das suas competências, decretar a protecção imediata desta zona, corrigindo lapsos detectados na acção das Entidades com competências na matéria. Estão em causa valores naturais muito superiores aos da construção de mais uma superfície comercial. As Alagoas Brancas são o principal remanescente das lagoas que deram o nome à cidade e concelho de Lagoa. São património natural, como tal esta área deve ser classificada como Paisagem Protegida Regional e, em continuidade com áreas adjacentes, funcionar como um corredor ecológico, que seria especialmente importante nesta região já altamente construída do Algarve.
Perante o exposto as associações signatárias solicitam ao Ministro que intervenha de forma célere e efectiva, solicitando:
1. A protecção imediata das Alagoas Brancas: uma zona húmida de 8,5 ha, com água doce, localizada no seio de um aquífero aluvionar, que sustenta um ecossistema de enorme biodiversidade. A sua singularidade reside no facto de ter apenas água doce, ao contrário de outras zonas húmidas importantes da região, como a Lagoa dos Salgados e a foz da ribeira do Almargem, que têm influência marinha. Este recurso natural e a defesa do território contra a seca devem sobrepor-se a eventuais direitos da construção em causa. A APA deveria ter classificado esta área como zona ameaçada por cheias naturais (ZAC) e como área estratégica de infiltração e de protecção à recarga de aquíferos (AEIPRA), tipologias da Reserva Ecológica Nacional. (a)
2. A salvaguarda do habitat para mais de 300 espécies de animais e plantas que ali ocorrem e dependem da existência desta zona húmida para a sua sobrevivência, tais como as icónicas íbis-preta (Plegadis falcinellus) e o caimão (Porphyrio porphyrio), mas também pequenos mamíferos, anfíbios e répteis, crustáceos, libélulas e borboletas. A translocação de alguns dos animais aí presentes, apresentada como solução por algumas entidades, merece a nossa total discordância. Além dos custos elevados que essa intervenção iria acarretar, muito superiores ao de deslocar a construção da superfície comercial, a sobrevivência destas espécies a longo prazo não está garantida, porque não é fácil replicar as condições de habitat existentes nas Alagoas. O mesmo no que toca à flora, para a qual não existe qualquer plano de salvaguarda. Por isso é essencial manter as condições existentes actualmente, como componente essencial do ecossistema e da paisagem de que fazem parte.
3. A rectificação do PDM do concelho de Lagoa (Aviso n.º 16179/2021, de 26/8) que, à semelhança do que acontece nas áreas adjacentes, deveria classificar esta área como zona ameaçada por cheias naturais (ZAC) e como área estratégica de infiltração e de proteção à recarga de aquíferos (AEIPRA). (b)
4. Que sejam tidos em consideração os direitos dos cidadãos a um ambiente saudável, como previsto na Constituição e à protecção da natureza, de acordo com as metas do Acordo Global para a Biodiversidade de 2022 que Portugal foi um dos signatários. Este deveria ser considerado um espaço de lazer para conexão com a natureza, nomeadamente para observação de aves. Deveriam ser ouvidos aqueles que lutam há anos por aquele local com base no conhecimento científico do valor ecológico daquele ecossistema, com várias ações intentadas, inclusive legais, contra a localização deste investimento.
5. Que seja considerada prioritária a segurança e a defesa de pessoas e bens, dado que a construção num local sujeito a inundações e cheias e a carsificação activa no subsolo comporta riscos que devem ser minimizados, segundo o princípio da prevenção.
A região algarvia, a par da região alentejana, sofre os maiores impactos das alterações climáticas e projectos concebidos há décadas têm de ser adequados a esta nova realidade. Os direitos adquiridos não podem constituir um obstáculo à adaptação, constituindo-se como um grave incumprimento do Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas do Algarve (PIAAC-AMAL). A depressão cársica ao funcionar como uma esponja é importante para defender a cidade de Lagoa contra cheias e inundações.
6. Que se considere a necessidade de preservar refúgios climáticos como as Alagoas Brancas para que a avifauna residente e migratória e várias outras espécies animais
possam, com resiliência, enfrentar a crise climática.
7. Que se atribua o devido valor ambiental e económico a esta zona húmida considerando os serviços de ecossistema por ela prestados e a sua atuação como um sumidouro de carbono.
8. Esta área deveria ser classificada, contribuindo para o cumprimento da meta de protecção de 30% das áreas terrestres da União Europeia até 2030, definida na Estratégia para a Biodiversidade, matéria onde Portugal ainda tem um importante caminho a percorrer. Há poucas áreas no Algarve ainda a salvo da expansão imobiliária e, por isso, este apelo para que se salve esta zona e se evite mais uma perda ambiental. As zonas húmidas de água doce no Algarve são raras e estão ameaçadas. A situação das Alagoas Brancas merece toda a atenção e intervenção urgente das entidades competentes em matéria de ordenamento do território e conservação da natureza com vista à sua preservação.
Contactos: Anabela Blofeld - Movimento Salvar as Alagoas Brancas - 912 223 351 Ângela Rosa - Movimento Salvar as Alagoas Brancas - 969 374 328
Associações signatárias: Almargem A ROCHA Associação ECOTOPIA ACTIVA Cidade da Participação FAPAS Geota
LPN Movimento Salvar as Alagoas Brancas PAS - Plataforma Água Sustentável PROBAAL Quercus SPEA SPECO TAGIS ZERO
a) Tipologias da Reserva Ecológica Nacional (REN) de acordo com a Portaria 336/2019, de 26/9, já em vigor nos 2 anos anteriores à publicação do PDM de Lagoa revisto (Aviso n.º 16179/2021, de 26/8). Por sua vez, a CCDR com a atribuição de zelar pelo cumprimento da Reserva Ecológica nos instrumentos de gestão territorial permitiu a aprovação da revisão do PDM de Lagoa sem que esta depressão cársica, que contém um aquífero aluvionar freático, sujeita a inundações e cheias, não fosse delimitada na REN. Quanto ao ICNF, na posse do estudo científico promovido pela Almargem, que comprova a existência de um ecossistema tão importante, tampouco se opôs à manutenção de uso comercial na revisão do PDM de Lagoa.
b) As Entidades Municipais com competências na matéria vêm alegando que o licenciamento é legal porque existem instrumentos de gestão territorial eficazes, nomeadamente o Plano de Urbanização da UP3, com base em pareceres favoráveis da CCDR-ALG, ICNF e APA. No entanto, não tem sido referido que na revisão do Plano Director Municipal de 2021, situação ideal para corrigir erros evidentes no sistema de instrumentos de gestão territorial municipal, a APA com competências na delimitação das ZAC e AEIPRA nas Cartas da REN não integrou esta área, a CCDR com competências na verificação do cumprimento da REN nos instrumentos de gestão territorial dos municípios inseridos na sua área de actuação tampouco o fez e, por sua vez, o ICNF na posse do Estudo Científico realizado pela Almargem em parceria com a Academia e associações especialistas tampouco se opôs, reiterando-se o erro outrora cometido no PU da UP3. Relembre-se que nos pareceres emitidos pela CCDR e pelo ICNF por solicitação do Tribunal Administrativo de Loulé, aquando da providência cautelar de 2021, ambas as Entidades salientam a necessidade de Avaliação de Impacto Ambiental.
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