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As utopias políticas da COP - a opinião de Maria Amélia Martins-Loução


Maria Amélia Martins-Loução, presidente da SPECO, publicou um ensaio no Jornal Público.

Ao longo da semana em que decorreu a COP27 no Egipto, muito se falou e apelou para a necessidade urgente de políticas efectivas para minorar a crise climática. Nestes discursos, a tónica é reduzir a emissão de gases com efeito de estufa (GEE) e acabar com os combustíveis fósseis. Portugal está hoje no núcleo duro dos BOGA (sigla inglesa para Beyond Oil & Gas Alliance, Aliança Para Além do Petróleo e do Gás), devido à aprovação da Lei de Bases do Clima. Com a entrada neste núcleo, Portugal assumiu o comprometimento de alcançar a neutralidade climática até 2050, para além de proibir a prospecção dos combustíveis fósseis. A neutralidade climática é uma das utopias da COP, ligada à retórica da transição energética Atingir a neutralidade carbónica significa reduzir ao máximo as emissões de GEE, mas também compensar as emissões. Isto significa redução de emissões acompanhada por um sequestro de carbono no planeta, para se alcançar um balanço neutro. O sequestro pode ser alcançado de duas formas: por uma maior eficiência industrial na captação dos GEE ou por um aumento do sorvedouro de carbono da biosfera. A primeira significa um maior investimento na ciência, a segunda, desenvolver estratégias políticas para a conservação da natureza. Daí ser mais fácil e intuitiva a retórica da transição do fóssil para o renovável, como a prioridade da neutralidade carbónica.

A definição de "renovável" é outra das falácias políticas trazidas pelas COP. O objectivo é a aquisição de energia renovável sob a forma hídrica, biomassa, de vento e/ou solar.

Não é por acaso que deixámos de ter cursos de rios "normais". Mas, com os contínuos períodos de seca que se avizinham, algumas das barragens ficam obsoletas, não servindo nem a produção de energia nem a quantidade de água suficiente para cobrir as necessidades das populações e da agricultura intensiva tão incentivada. A produção de energia de biomassa que, no nosso país, serviria para queima dos desperdícios e abates florestais tem sido alimentada por inúmeros cortes de frondosas árvores, espalhadas um pouco por todo o país, contribuindo para o aumento da desflorestação e transformação da paisagem. A ironia do processo é que só a queima de carbono (carvão, óleo ou gás) formado há mais de 300 milhões de anos aumenta a emissão dos gases com efeito de estufa. O carbono produzido no século XXI é, porém, apelidado de biocombustível, independentemente de a sua queima emitir, também, GEE. Por outro lado, é esquecer que o abate ou corte de árvores está a retirar a capacidade de sorvedouro de carbono que devia ser tida em conta para a neutralidade carbónica. A energia eólica prosperou, um pouco por toda a parte, com baixa eficiência em resultado da intermitência dos ventos e o desenvolvimento de baterias mais eficientes, com impacto sobre as populações de aves, para além do impacto visual e sonoro para as populações humanas. A energia solar, mais do que a eólica, levou ao surgimento de novas oportunidades de negócio, com grande retorno económico. Não é, pois, de estranhar que a proposta de lançamento de projectos de energia fotovoltaica em solos de baixo rendimento agrícola ou de abandono, em zonas semiáridas do interior despovoado, com uma forte exposição solar, sem água acessível e barata, receba luz verde para avançar. O interesse dos proprietários e das empresas alia-se ao dos governos pela necessidade de aumentar a independência energética do país e baixar as emissões de gases com efeito de estufa. Nascem as ditas paisagens de ferro, silenciosas. A aposta na implantação compulsiva de painéis solares em telhados de zonas urbanas poderia ter o mesmo retorno económico e não hipotecaria a paisagem. A omissão mediática da neutralidade climática advém da dificuldade em entender e explicar o alcance deste propósito, que implica valorizar o papel dos recursos naturais, em particular, da biosfera.

Do ponto de vista da estratégia política é mais fácil apostar na redução das emissões e, por consequência, demonizar a dependência energética dos combustíveis fósseis, do que pensar ou investir em medidas de protecção ou restauro da natureza.

A nível global, a desflorestação é um cancro que mina a estabilidade e a capacidade de resiliência da biosfera. E isto tanto em terra como no mar, onde a perda das grandes pradarias de algas e dos recifes de coral induz consequências desastrosas, até do ponto de vista económico. Nas recentes COP 26 e 27, a necessidade de conservar ou restaurar a natureza foi abordada pelo reconhecimento da interligação entre alterações climáticas e perda de diversidade. No entanto, grande parte destes problemas tem sido silenciada, esquecendo a necessidade e oportunidade de ligação transversal entre as COP do clima e da biodiversidade. Mas as COP do clima começam e acabam com a mesma preocupação, reduzir as emissões sem insistir na compensação, como estratégia para a neutralidade carbónica. E esta utopia só dificilmente será resolvida se não se perceber que o tempo de vida dos GEE na atmosfera é imenso e que a capacidade de absorver carbono deveria ser tão ou mais importante que reduzir emissões. Isto implicaria ter coragem de assumir um valor aos serviços do ecossistema e compreender que a tecnologia não consegue substituir o que homem destrói na natureza. A realidade é que já foram identificados 16 pontos de não retorno que originam a transformação dos ecossistemas, constituindo uma ameaça global perante as alterações climáticas. Infelizmente, em Portugal, a conservação da natureza não faz parte da prática vigente, apenas do léxico político. As áreas da Rede Natura estão longe de estar mantidas em bom estado e as áreas circundantes, se forem cobiçadas por projectos turísticos, terão todo o aval, desde que sejam "ecossustentáveis", independentemente do que isso possa significar. As crenças assumidas nas COP não passam de utopias políticas que nos mantêm na "auto-estrada do inferno" [1] e que, ano após ano, nos afastam do limite estabelecido, ou seja, de a temperatura não ultrapassar I,5°C. [1] Termo preferido por António Guterres na abertura da COP27 Texto de Maria Amélia Martins-Loução publicado a 22 Novembro 2022 no Jornal Público

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