O Dia da Ecologia foi celebrado ontem. Maria Amélia Martins-Loução, Presidente da SPECO, publicou um artigo no Azul do Jornal Público.
Em 2016, a Federação Europeia de Ecologia propôs a celebração do Dia da Ecologia a 14 de Setembro. Desde 2017 que a Sociedade Portuguesa de Ecologia anima e motiva os diferentes ecólogos portugueses e os nossos congéneres internacionais, a divulgar o seu conhecimento e experiência. Não podemos ficar de braços cruzados quando sentimos que estamos a viver um turbilhão de riscos: pandémicos, climáticos, sociais.
Mas, infelizmente, as mensagens e estratégias políticas vão apenas no sentido da transição energética, investindo em energias renováveis e em tecnologias digitais.
Estamos nós, ecólogos, contra o investimento em renováveis e tecnologias digitais? Não, pelo contrário, consideramos que esse deve ser o futuro, mas não à custa da delapidação dos recursos naturais gerando problemas, mais do que sustentabilidade. Os estudos ecológicos necessitam de energia e de suporte digital e temos consciência de que precisamos de investigação sobre novos minérios para aumentar o poder das baterias, assim como de energia para estarmos sempre contactáveis com o mundo. Contribuímos para aumentar o conhecimento científico sobre os recursos disponíveis e divulgamos este saber alertando também para os limites da sua exploração.
O problema está, apenas, no uso do conhecimento e não nos avisos sobre os riscos e as consequências ambientais das acções, especialmente quando são justificadas em nome da “imprescindível utilidade pública”. Com esta bandeira, exploram-se e alteram-se os ecossistemas em nome da economia e do desenvolvimento.
Ao contrário dos computadores por nós desenvolvidos e geridos, os ecossistemas são sistemas vivos complexos com fortes interacções entre espécies, que podem gerar respostas negativas e imprevisíveis quando em desequilíbrio.
Para simplificação, podemos dizer que os ecossistemas são sistemas modulares com a sua própria dinâmica e função que, quando se juntam, produzem sistemas muito sofisticados e resilientes. Comparemos as diferentes funções de um telemóvel: telefone, redes sociais, Internet, correio electrónico, fotos, música… Quando um engenheiro desenha um aparelho, tem de ter todos esses módulos em funcionamento e perfeitamente interligados. Nos dias de hoje, faz sentido termos um aparelho para ouvir música, outro para tirar fotos pessoais, e outro para telefonar? Não é uma mais-valia ter tudo num só local? Porque não ter a mesma preocupação com os ecossistemas?
Os investimentos em energias renováveis ou na exploração de recursos minerais não têm essas preocupações, embora, na sua maioria, recebam pareceres positivos “condicionados”. O condicionamento indicia a necessidade de obras de compensação, a transposição de habitats ou de espécies, como se de mobília se tratasse. Se o investimento económico implica cortes de árvores, planta-se novo povoamento num outro local, esquecendo que se está a retirar um sorvedouro de carbono que levou anos a formar-se, para além de criar uma “ferida” no ecossistema.
Não há uma preocupação efectiva pelo sistema vivo.
Não adiantam os gritos de alarme lançados por António Guterres ao apelar para a necessidade de alterar rapidamente a relação da humanidade com o mundo natural. Até agora, temos apenas assistido a um “simplex ambiental”, com indiferença perante os ecossistemas e o território, porque tudo se transplanta e se adapta. Esquecem rapidamente o efeito que a pandemia teve na sociedade e os constantes avisos que os investigadores continuam a dar sobre o facto de poderem surgir novas situações pandémicas com a simplificação dos sistemas vivos e o aumento da promiscuidade entre os sistemas sociais e naturais.
A classe política deveria ficar cada vez mais sensível a este problema, já que os contínuos avisos dos cientistas e apelos do secretário-geral das Nações Unidas pressupõem a necessidade de uma transição energética, mas também de uma transição ecológica. Para isso, é necessário investimento financeiro para a investigação transdisciplinar (investigadores, técnicos, sociedade em geral) de longo prazo e para a formação de recursos humanos.
O que têm que ver estes assuntos com o Dia da Ecologia?
Porque é neste dia, ou neste período, que os investigadores se disponibilizam a dialogar com a sociedade, aumentar a sua sensibilidade para todos estes problemas e mostrar-lhes um pouco a necessidade de uma visão integrada do ecossistema e da interacção do homem com o mundo natural.
Os ecossistemas não são sistemas estáticos, alteram-se progressivamente, ajustam-se a novas adições, refazem-se para manter a sua resiliência.
No fundo, é análogo ao que fazemos de tempos a tempos com a actualização do sistema nos nossos computadores. Ficamos com novas funcionalidades, mas, muitas vezes, mais lentos e complexos, com comportamentos imprevisíveis.
No Dia da Ecologia em especial, cabe aos ecólogos mostrar o que sabem e de como esse saber pode contribuir para o desenvolvimento socioeconómico. Tem sido difícil pedir este esforço voluntário de serviço público quando necessitam de tempo para redigir um projecto, uma bolsa e, até, artigos pelos quais são avaliados. Enquanto ecólogos de especialização, não podemos continuar inconformados e fechados perante a insensibilidade pública dos verdadeiros riscos globais. Mas também, enquanto ecólogos académicos, devemos rapidamente agir e seguir o exemplo das universidades alemãs apelando e contribuindo para uma maior formação ecológica. A ecologia é muito mais do que uma simples avaliação da biodiversidade, é uma compreensão de todo o sistema vivo, uma integração de saberes que valoriza e tira partido da interdisciplinaridade.
Seria importante que o esforço que tem sido realizado por todos estes profissionais possa ser alvo de divulgação nos media (www.ecologyday.eu), discussão pública e até debates acesos na sociedade. A transição ecológica é tão necessária quanto a transição energética, já que urge disponibilizar mais conhecimento para saber actuar e minimizar os riscos que podem pôr em perigo a sobrevivência da humanidade.
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