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O Lobo Ibérico em Portugal

A SPECO preparou alguns textos científicos sobre o lobo ibérico que servirão como recursos pedagógicos, disponíveis para todos os que visitem o nosso website.



No dia 15 de fevereiro de 2021, o ICNF foi informado da existência de dois cadáveres de lobo na região Norte, um na zona de Cabril, Montalegre e outro na zona de Rio de Onor, Bragança. Como resposta, a SPECO preparou alguns textos científicos que servirão como recursos pedagógicos, disponíveis para todos os que visitem o nosso website. Com estes textos pretende também mostrar o papel que os seus investigadores desenvolvem e que dá corpo a todo um trabalho de conservação ligado à Rede Internacional LTER (Long Term Ecological Research).


Quem é o Lobo-Ibérico


De nome científico Canis lupus signatus este mamífero da mesma família do apelidado “melhor amigo do homem”, sempre criou discórdia entre a população humana, na grande maioria devido à falta de conhecimento que impera à volta deste predador.


O lobo-ibérico recebe o seu nome por ser uma sub-espécie endémica da Península Ibérica. Devido à separação geográfica do seu congénere europeu (Canis lupus), o lobo-ibérico distingue-se deste por ser mais pequeno e por ter uma pelagem mais amarelo-acastanhada e menos cinzenta e por possuir listas negras na parte anterior das patas dianteiras. É um super-predador, ou predador de topo, que se organiza socialmente em alcateias, que podem variar entre 2 e 10 indivíduos dependendo da altura do ano, e com hierarquias bem definidas. É um predador generalista que se alimenta, preferencialmente, de ungulados selvagens, como o corço, o javali e o veado (Santos, 2017). Contudo, em Portugal, este predador baseia a sua dieta em ungulados domésticos (cabra, ovelha, vaca, cavalo ou burro), dependendo da sua disponibilidade na região.


As Ameaças


O lobo-ibérico é abrangido por protecção legal nacional e internacional. Em Portugal a Lei de Protecção do Lobo Ibérico, confere-lhe protecção adicional à Lei internacional dada pela Convenção de Berna, a Directiva Habitats e a CITES. No entanto, apesar de toda a protecção legal, o seu estatuto de conservação em Portugal é “Em Perigo” (EN).


A perseguição directa do ser humano ao lobo é uma das causas da população em Portugal estar em perigo (Petrucci-Fonseca et al., 2000), esta perseguição surge do que muitos agricultores, pastores e criadores de gado temem o “ataque” aos seus animais.


No entanto, é importante compreender que o gado não é a escolha preferencial do lobo, e que estes são forçados a alimentar-se de presas como ovelhas, vacas e cabras por duas grandes razões:


  • A perda e destruição de habitat;

  • Escassez de presas silvestres.


A perda contínua de habitat do lobo e das suas presas naturais e a consequente humanização da paisagem e maior disponibilidade de animais domésticos, torna os rebanhos mais susceptiveis a ataques sempre que menos bem protegidos, o que leva a uma maior perseguição ao lobo. Este círculo vicioso de ameaça ao habitat e às presas naturais do lobo e à sua necessidade em procurar alternativas para se alimentar em locais com presença humana, tornam difícil a sua conservação.


A importância dos lobos no ecossistema


O lobo-ibérico, o maior predador português, é um dos animais mais perseguidos e incompreendidos do país. Os predadores têm uma importância intrínseca no equilíbrio do ecossistema no qual estão inseridos. O exemplo prático do Parque de Yellostone ilustra perfeitamente a importância chave de um predador de topo num ecossistema. [California Wolf Center]


Em 1926 o Parque Nacional deYellowstone eliminou por completo toda a população lupina aí presente. O que se sucedeu foi uma cascata de eventos que alteraram por completo o ecossistema do Parque.


1 - Sem a pressão predatória do lobo, a população da sua presa preferencial teve um crescimento exponencial e começou a ser prejudicial para o habitat.


2 - Os pequenos arbustos, salgueiros, choupos e outras plantas que impediam a erosão das margens dos ribeiros foram destruídos devido ao sobre-pastoreio.


3 - A diminuição de árvores significa menos locais de nidificação para aves. A falta de árvores jovens afectou também as populações de castores que dependem destas para sobreviver - o problema tornou-se tão grave ao ponto de existir apenas uma população de castores no parque.


4 - Sem a proteção vegetal nas margens os rios e ribeiros galgaram as margens e tornaram-se mais largos, menos fundos ao mesmo tempo que aumentaram a temperatura devido à falta da sombra providenciada pelos choupos e salgueiros que já não cresciam. E todas as espécies associadas ao sistema fluvial e ribeirinho - anfíbios, peixes e répteis - viram o seu habitat diminuído.


5 - As populações de necrófagos e outras espécies, como a raposa, também foram afectadas devido à falta de carcaças resultantes das caçadas dos lobos.


As crenças e mitos


Desde sempre que o lobo faz parte do imaginário humano como um animal perigoso e malévolo. O “Lobo Mau” é um vilão comum a inúmeros contos e fábulas folclóricas como o “Pedro e o Lobo”, os “Três Porquinhos” a história da “Capuchinho Vermelho”.


O conflito entre Pessoas e Lobo parece datar do período medieval, altura em que a Igreja Católica utilizava o lobo como símbolo satânico, animal que punha em causa "o rebanho de Deus". O facto de o Lobo ser um animal com hábitos nocturnos fez crescer essa crença de ser um animal feroz e devorador de homens, mulheres e crianças.


O crescente contacto entre ser-humano e lobo levou ao aumento do simbolismo do lobo como um animal maligno, por atacar os rebanhos domésticos. Muitos mitos surgiram à volta deste predador, grande parte dos quais perdura até aos dias de hoje. Quais são e qual a sua veracidade?


"O lobo ataca pessoas"

Na verdade os lobos receiam e evitam o ser-humano, pois este desde sempre os perseguiu e atacou. Os poucos ataques a seres-humanos relatados, datam de há centenas de anos e são maioritariamente atribuídos a lobos doentes, que apenas estariam a defender-se. Além do mais, não é possível confirmar um único registo de um ataque de lobo a uma pessoa, na Europa.


"O lobo invade as áreas de pastoreio e as áreas de habitação humana"

Os lobos evitam a presença humana e toda a perturbação que ela provoca. Contudo, durante os últimos séculos, a expansão das áreas urbanas, da rede de infra-estruturas e a intensificação da actividade agrícola e da pastorícia (Gomes et al, 2011) substituiu grande parte do coberto vegetal natural e fragmentou fortemente a paisagem. Muitas espécies são continuamente afectadas por esta fragmentação. O lobo, sendo um  predador com necessidade de um habitat de grande extensão é gravemente afectado pela falta de habitat ininterrupto.


"O lobo é responsável pela morte de muitas cabeças de gado"

A pressão cinegética associada à destruição de habitat diminui a disponibilidade de presas selvagens. A diminuição do habitat do lobo e das suas presas selvagens, devido ao aumento de área agrícola e de pastoreio pressiona o lobo a atacar o gado. Contudo, em algumas regiões estudadas desde 1980 que se verifica um aumento no consumo de ungulados silvestres por parte do lobo, mesmo em áreas onde os elevados efectivos pecuários continuam a constituir a base da sua dieta, como é o caso de algumas alcateias do Parque Nacional da Peneda-Gerês.


"Os lobos não servem para nada"

Como ilustrado anteriormente, um predador de topo como o lobo tem um papel fundamental no equilíbrio de um ecossistema. Para o ser humano, o lobo ao consumir javalis, veados e corços reduzem  potenciais prejuízos nas culturas agrícolas e vegetais. Ao alimentarem-se de animais doentes controlam zoonoses e impedem que doenças sejam transmitidas aos animais domésticos e consequentemente ao ser humano (exemplo a tuberculose e brucelose). Como  super-predador” controla os números de outros carnívoros, como a raposa, a geneta, o texugo ou a fuinha, minimizando, também, o impacto destes nos animais domésticos e na caça (Grupo Lobo, 2016).


A investigação sobre o Lobo em Portugal:

Quem?


Onde?

Devido à redução das suas presas e do seu habitat natural ao longo do séc. XX, o lobo-ibérico, que anteriorment de destribuia por todo o território ibérico, está  restrito ao quadrante noroeste da Península. Em Portugal as populações existentes restrigem-se ao Norte, na região do Rio Douro.


Os investigadores consideram que o Rio separa as duas populações existentes no nosso país: 


  1. A Sul do rio, na zona centro do país, uma população com cerca de uma dezena de alcateias encontra-se estável, mas isolada e fragmentada. Sendo esta região vital para a expansão do lobo é necessário assegurar uma conexão com a população espanhola;

  2. A Norte do rio, nas áreas montanhosas do Minho, Trás-os-Montes e Alto Douro encontramos uma população estável. Constituída por algumas dezenas de alcateias esta população funde-se com a população espanhola.


A região do Baixo Sabor, paisagem única na Terra Quente de Trás-os-Montes, é um dos locais onde encontramos um refúgio de vida selvagem. Neste local que permaneceu intocado durante séculos uma equipa multidisciplinar propôs o reconhecimento do Baixo Sabor como um sítio LTER, ficando assim integrado numa rede mundial de ecossistemas que são estudados durante um longo período. 


A equipa LTER do Baixo Sabor acompanha há vários anos, as espécies de mamíferos mais emblemáticas, entre as quais o lobo-ibérico.


Quem?

Vários investigadores se dedicam à investigação do lobo ibérico em Portugal, do seu papel no ecossistema, a conservação e as suas relações com o ser humano. No CIBIO Francisco Álvares, doutorado pela Universidade de Lisboa, dedica a sua carreira de investigação ao Lobo Ibérico desde o seu doutoramento. Actualmente é coordenador científico do trabalho de investigação e conservação do lobo ibérico desenvolvido no CIBIO/InBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto).


De forma a melhorar a conservação do lobo em Portugal, a equipa do CIBIO foca as suas linhas de investigação nas 3 áreas seguintes:


  1. Genética populacional do lobo ibérico, e em particular o estudo da incidência e processos relacionados com a hibridação entre o lobo e o cão;

  2. Estudos sobre as interacções entre o lobo e os humanos na Península Ibérica, abordando temáticas como a predação nos animais domésticos, respostas comportamentais a actividades humanas e factores de perturbação (p.e. empreendimentos eólicos e incêndios) assim como a etnobiologia relacionada às crenças e práticas das comunidades locais em relação a este carnívoro;

  3. Realização de vários projectos de monitorização populacional do lobo a longo prazo (nomeadamente na região do Alto Minho e a Sul do rio Douro) para avaliação de parâmetros demográficos e ecológicos com recurso a métodos inovadores como a telemetria GPS e a genética não-invasiva.


A investigação desenvolvida permite aos investigadores do CIBIO assegurar uma assessoria científica em várias iniciativas destinadas à conservação do lobo, junto de várias instituições, como por exemplo Munícipios, ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas), ONGAs (p.e. Grupo Lobo), ACHLI (Associação para a conservação do habitat do lobo-ibérico) e LCIE (“Large Carnivore Iniciative for Europe”), um Grupo de Especialistas da IUCN/SSC), as quais tem focado acções como a melhoria e gestão do habitat, minimização e compensação de impactes de infraestruturas, prevenção de ataques a animais domésticos, e valorização turística do lobo e do património cultural a ele associado, nomeadamente os Fojos do Lobo.


Francisco Petrucci Fonseca, investigador no cE3c - Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais e a sua equipa dedicam-se à investigação de conservação do lobo ibérico, principalmente a relação predador-presa, o impacto das estradas na fragmentação do habitat e na mortalidade dos lobos, a demografia e dinâmica da população de lobos, medidas práticas de conservação relativas à protecção dos rebanhos contra predadores  através da recuperação de antigas técnicas de protecção (ver - Programa Cão de Gado). Como Presidente e co-fundador do Grupo Lobo, dedica-se ao desenvolvimento de programas de educação ambiental e à analise do  papel cultural do lobo no país.


O papel do Grupo Lobo


O Grupo Lobo é uma associação não governamental de ambiente, independente e sem fins lucrativos, reconhecido com o Estatuto de Utilidade Pública, fundado em 1985. É seu propósito trabalhar em prol da conservação do lobo e do seu ecossistema em Portugal.


Tendo em atenção os perigos que o lobo enfrenta e procurando assegurar a conservação deste predador ainda ameaçado no nosso país, e do nosso rico património natural, o Grupo Lobo desenvolveu  uma estratégia para atingir esse objetivo, a qual designou por Programa Signatus.


As suas principais linhas de ação são:

Investigação aplicada

Promover e realizar projectos e estudos técnico-científicos, nomeadamente no âmbito da biologia e antropologia, conducentes a um melhor conhecimento do lobo e das interações Homem-lobo;


Educação e sensibilização ambiental

Divulgar informação correta acerca deste predador tão incompreendido e perseguido, através de variadas ações com o público geral e escolar, destacando-se o importante papel do Centro de Recuperação do Lobo Ibérico*, que recebe milhares de visitantes todos os anos.


Promoção de medidas práticas de conservação

Contribuir para uma verdadeira política de conservação, não só deste canídeo mas também do Património Natural Português em geral, como é exemplo o Programa Cão de Gado**, que trabalha com os produtores pecuários promovendo a coexistência com o lobo.


Exemplo prático - O Programa Cão de Gado - a redução do conflito Lobo - ser-humano


Os cães de gado têm sido utilizados pelos pastores, como método de proteção durante centenas de anos e fazem parte do sistema tradicional de pastoreio utilizado em Portugal e noutros países do Mediterrâneo e da Ásia.


O Programa Cão de Gado, definido em 1987 e iniciado em 1996 promove a utilização de cães de gado de raças nacionais, como uma forma eficaz de proteger o gado e diminuir os prejuízos económicos que os lobos causam nos animais domésticos. O Programa, que já entregou mais de 600 cães, efetua o acompanhamento do desenvolvimento destes e procede à avaliação da sua eficácia, prestando ainda apoio técnico e veterinário, por forma a assegurar o sucesso dos cães e o seu bem-estar.


O sucesso do Programa Cão de Gado despertou um interesse crescente dos criadores de gado, traduzindo-se em pedidos frequentes de cães, bem como aumentou a sua confiança neste método de proteção, facilitando a sua expansão e o estabelecimento de uma relação de trabalho continuada com as comunidades rurais.



"Apenas com tolerância e acções informativas é possível ter sucesso na recuperação dos ecossistemas naturais de um país. Os lobos e os homens podem conviver, com acções educativas e uma gestão correcta” - Daniel Stahler


Referências e bibliografia útil


Recursos e outros


Agradecimentos

A SPECO agradece ao Grupo Lobo e ao CIBIO/InBIO, nomeadamente a Francisco Álvares, Francisco Petrucci Fonseca e Isabel Ambrósio pelas suas contribuições na elaboração deste recurso.


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