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Prémio de Doutoramento em Ecologia 2023 - Cátia Figueiredo, 3ª Classificada


Cátia Figueiredo usou abordagens bioquímicas para investigar a bioacumulação, eliminação e interacção de elementos de terras raras (REE, do inglês rare earth elements) em diversos grupos taxonómicos marinhos (esponjas, peixes, bivalves e algas). A disponibilidade deste tipo de elementos associados às alterações climáticas é um desafio ambiental com consequências ainda pouco conhecidas. Os resultados evidenciaram um potencial ecotoxicológico de REE nas diferentes espécies dos diferentes grupos estudados, com respostas específicas por espécie, por elemento e por dose, sugerindo que a acumulação de REE e as respostas ecotoxicológicas num futuro próximo é excepcionalmente complexo de compreender. Por outro lado, a acumulação de REE e os efeitos tóxicos podem ser exacerbados pelas mudanças climáticas, impondo consequências nocivas às espécies. Os dados desta tese podem, assim, ser basilares para o processo de tomada de decisões políticas sobre estas problemáticas emergentes.


À conversa com esta investigadora a SPECO tentou saber um pouco mais sobre a motivação que a levou a assumir este desafio, os problemas e oportunidades que viveu, e que repercussões poderá ter este prémio alcançado.


1. O que esteve na base do desenvolvimento deste trabalho de doutoramento ?

O desenvolvimento da minha tese de doutoramento foi motivado pela crescente disponibilidade antropogénica de elementos terras raras e pelas alterações climáticas. Os efeitos combinados destes stressores, antes do início da minha tese, nunca tinham sido estudados. Embora chamados de elementos raros, estes estão amplamente dispersos na crosta terrestre. Apesar de seu anonimato, as terras raras tornaram-se cruciais para as mudanças tecnológicas em direcção a fontes de energia renováveis, mais eficientes e economicamente viáveis. As suas características difundiram a sua utilização numa ampla gama de áreas, desde a medicina até a electrónica moderna, carros eléctricos e indústrias de energia “verde”. Este uso generalizado e crescente contribui para o aumento exponencial de resíduos que contêm elevadas concentrações de terras raras. A produção crescente, a vida útil mais curta dos aparelhos electrónicos e as políticas de reciclagem ineficazes resultam na libertação de grandes quantidades de terras raras, de outra forma presentes em concentrações baixas, no ambiente aquático. Assim, estabeleci como objectivo principal investigar a bioacumulação, eliminação e interacção desses elementos com as alterações climáticas por meio da avaliação de estratégias bioquímicas em diversos grupos taxonómicos (esponjas, peixes, bivalves e algas). De um modo geral os resultados mostraram que o potencial toxicológico das terras raras é agravado num oceano em mudança. As respostas dos organismos foram específicas da espécie, do elemento e da concentração de exposição, o que sugere que a compreensão da acumulação e respostas tóxicas das terras raras no futuro próximo é extremamente complexa. Outra motivação que tive, foi a de gerar conhecimento base para o processo de tomada de decisão de legisladores ao abordar estas problemáticas emergentes e a desenvolver políticas ambientais, na medida em que não há ainda limites regulatórios para o uso e descarga de terras raras no ambiente.

2. Ao longo do trabalho qual foi a sua maior alegria?

Ao longo deste trabalho a minha maior alegria foi a sensação de desvendar novos conhecimentos sobre uma temática muito pouco conhecida. Cada descoberta que fazia sobre como as diferentes espécies respondiam à exposição de diferentes terras raras, e como isso era influenciado pelo ambiente gerava uma nova onda de curiosidade e vontade de descobrir mais coisas, o que originou uma tese de doutoramento com 11 capítulos e 9 artigos publicados. Isto também me trouxe muita alegria, saber que pude contribuir para uma melhor compreensão dos desafios ambientais emergentes e fornecer informações relevantes para apoiar futuras decisões políticas ambientais para a protecção do nosso meio ambiente.


3. Que desafios teve de enfrentar e que motivações arranjou para superar os seus problemas?

Durante o doutoramento deparei-me com diversos desafios que testaram a minha perseverança e dedicação. Um dos principais desafios foi a complexidade intrínseca das interacções entre as terras raras, os organismos aquáticos e o ambiente. Muitas vezes deparei-me com respostas imprevisíveis e não-lineares, que invariavelmente desenvolveram o meu nível de precisão e paciência.

Outro grande obstáculo foi o surgimento inesperado da pandemia de COVID-19. A pandemia levou ao encerramento de laboratórios, restrições de viagens e interrupções na recolha de dados. A mudança para o trabalho remoto e o acesso limitado a equipamentos representaram desafios sérios para o progresso do meu doutoramento. Para me adaptar a estas circunstâncias, tive que reavaliar os meus planos e modificar minha abordagem para continuar a progredir. A pandemia também afectou o meu bem-estar mental e a minha motivação, porque o isolamento e as incertezas pesaram muito sobre todos e estando a fazer um doutoramento senti este peso acrescido. Para superar isto, participei activamente de comunidades académicas online, participei em conferências virtuais e procurei sempre o apoio dos meus colegas.

Estes desafios ensinaram-me das coisas mais importantes que aprendi no doutoramento, como resiliência, adaptabilidade, perseverança, desenvoltura e a importância de manter uma forte rede de apoio. Adaptar-me a desafios imprevistos, tanto académicos quanto pessoais, foi vital para avançar e manter-me comprometida com os objectivos que tinha estabelecido para mim própria no início do doutoramento.


4. O que ficou por explorar?

O meu doutoramento foi a pontinha do iceberg. Existem muitos aspectos que ainda estão por explorar e têm uma relevância significativa na compreensão do impacto do aumento da disponibilidade ambiental das terras raras. Uma dessas áreas é, por exemplo, a interacção das terras raras com eventos climatéricos extremos. O nosso mundo tem testemunhado um aumento na frequência e intensidade destes eventos, e estes podem alterar padrões de distribuição, a disponibilidade, e a acumulação das terras raras, com possíveis consequências nos organismos. Esta é uma área que requer muita investigação e na qual eu planeio dedicar os meus próximos anos enquanto investigadora.


5. Quais serão os próximos passos da sua carreira?

No seguimento da questão anterior, o meu doutoramento levantou uma série de questões às quais estou investida em tentar responder. Nesse sentido, a minha equipa e eu desenvolvemos um projecto chamado EMINENT – Efeitos emergentes das alterações climáticas nos contaminantes, do qual sou co-investigadora principal. Este projecto teve início em 2023, e através dele espero continuar a estudar os efeitos ecotoxicológicos dos elementos terras raras, num cenário de eventos climatéricos extremos, em bivalves. Para conseguir continuar a realizar este trabalho tão importante, os meus próximos passos têm obrigatoriamente de passar também por segurar uma posição que me permita subsistir e dedicar-me a esta carreira.


6. O que a levou a concorrer a este Prémio?

A decisão de concorrer a este Prémio foi motivada por várias razões. Primeiramente, o reconhecimento associado a este é uma oportunidade valiosa para destacar o trabalho de investigação que realizei ao longo do meu percurso académico. Além disso, é uma forma de partilhar os meus resultados com a comunidade científica e a sociedade em geral. A participação no prémio também proporciona a oportunidade de receber feedback de especialistas na área da ecologia, o que pode ser enriquecedor para a minha carreira académica e profissional. Por fim, a possibilidade de ganhar um prémio monetário foi um incentivo adicional. A possibilidade de ter o meu esforço e dedicação reconhecidos desta forma foi uma também uma força motriz.



7. Que impacto espera obter com este resultado ?

Para além do que enumerei na pergunta anterior, espero que o reconhecimento conferido pelo prémio aumente a relevância da minha investigação nas discussões sobre políticas ambientais. Pode fornecer uma base sólida para informar decisores e legisladores na formulação de estratégias que abordem questões relacionadas com os elementos terras raras e as alterações climáticas.


8. O que gostaria de ver na SPECO que impulsionasse os jovens a seguir investigação em Ecologia?

Creio que estabelecer programas de mentoria que conectem jovens estudantes e investigadores em início de carreira com profissionais experientes na área da Ecologia pode incentivar jovens a seguir investigação em Ecologia. Criar bolsas de estudo e prémios específicos para jovens investigadores que demonstrem excelência e inovação na sua investigação pode também ser uma boa medida. Realizar eventos de networking que reúnam jovens investigadores com diferentes níveis de experiência, permitindo que estes estabeleçam contactos e troquem conhecimentos também pode ajudar jovens a eleger a Ecologia como a sua área de investigação. Por fim, criar um ambiente inclusivo que acolha jovens de diversas origens, experiências, religiões, orientações sexuais e identidades de género assim como diversas iniciativas que promovam a diversidade e a igualdade de oportunidades podem atrair uma gama mais ampla de jovens talentos para a investigação em Ecologia.

9. Como tenciona contribuir para aumentar a visibilidade da SPECO?

Primeiramente irei partilhar com muito orgulho o resultado dos Prémio através das minhas redes sociais e plataformas online. Planeio participar em eventos, organizados pela SPECO e contribuir através de apresentações, palestras ou participação em painéis de discussão. Tenciono, como fiz aqui, partilhar e divulgar a minha própria experiência e trajectória na investigação. Pretendo também promover iniciativas específicas da SPECO, como prémios ou eventos especiais, para incentivar a participação e a adesão de novos membros à sociedade.

10. Que conselhos gostaria de dar aos jovens estudantes de doutoramento?

Aos jovens que estão agora a embarcar nesta emocionante viagem, que é fazer um doutoramento, aconselho a que optem por um tópico de investigação que genuinamente os apaixone e que assim permita que se dediquem a ele durante vários anos. O meu doutoramento ensinou-me também que é importante estabelecer objectivos claros e realistas, nem sempre mais é melhor. Construam uma rede de apoio composta por orientadores, colegas, outros estudantes de doutoramento, amigos e familiares. O apoio e as trocas de experiências são inestimáveis durante esta viagem. O doutoramento pode ser intenso, mas é importante manter um equilíbrio saudável entre trabalho, descanso e actividades pessoais. A gestão desta ajuda a evitar burnout e a garantir uma boa produção científica. Mantenham-se curiosos, abertos a novas perspectivas e dispostos a ajustar o vosso caminho conforme necessário. Por fim, reconheçam e celebrem cada conquista, por mais pequena que seja. A viagem do doutoramento é feita de passos graduais, nem sempre é linear, mas no fim vale muito a pena.



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