A Importância do Metabarcoding para a Investigação em Ecologia
Vanessa Mata, investigadora no CIBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos) da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, desenvolveu uma ferramenta de "metabarcoding" no estudo das interacções entre espécies. O “metabarcoding” funciona como um código de barras de DNA (ou RNA) que permite a identificação simultânea de muitas espécies dentro da mesma amostra. A vantagem de usar uma ferramenta do tipo “metabarcoding” é usar DNA (ou RNA) de vários organismos diferentes provenientes de uma amostra global. Com a utilização desta ferramenta molecular, Vanessa Mata conseguiu detectar variações subtis, intra- e inter-específicas, na dieta de morcegos, que lhe permitiu a descrição da primeira rede de interacções predador-presa entre morcegos e pragas agroflorestais. A utilização desta ferramenta científica tem elevada relevância do ponto de vista aplicado ao permitir identificar espécies de morcegos cuja presença pode ser favorecida para intensificar o controlo de pragas. Do ponto de vista da biodiversidade, chama a atenção para a importância de conservar comunidades diversas de vertebrados em paisagens multifuncionais.
A SPECO conversou com Vanessa Mata sobre a sua vitória, as suas motivações para concorrer, sobre o percurso passado no seu doutoramento, e os passos seguintes. E sugere-nos, à Sociedade Portuguesa de Ecologia, outras formas de valorizar a carreira de Ecologia. Acompanhe-nos!
1 Qual ou quais as perguntas que estiveram na base do seu projecto de doutoramento?
A minha tese de doutoramento teve como principal objectivo perceber qual o papel de diferentes espécies de morcegos enquanto reguladores de pragas agrícolas. No entanto, para responder a esta questão, foi necessário um conjunto de desenvolvimentos metodológicos que nos permitiram finalmente responder de forma mais segura a esta questão. Assim, começámos por tentar compreender os impactos da replicação técnica e biológica nos resultados das análises de dieta por metabarcoding, seguido do estudo dos efeitos do uso de vários marcadores moleculares, e por fim do poder do metabarcoding em descrever padrões subtis de relações predador-presa. Estes avanços permitiram-nos então aplicar esta técnica a uma diversa comunidade de morcegos presente numa paisagem multifuncional, composta por uma grande diversidade de habitats e usos agrícolas, e perceber como as diferentes espécies de morcego contribuem para o serviço de regulação de pragas.
2 Que resultados a deixaram mais satisfeita?
Foi bom verificar que apesar dos desafios técnicos, o metabarcoding é uma técnica bastante robusta que nos permite descobrir padrões incríveis sobre as relações predador-presa. A quantidade de informação que se obtém não só sobre o predador, como da própria diversidade e distribuição das presas faz-me sempre sentir uma espécie de Sherlock Holmes do mundo animal, cujas únicas pistas são "cocós" e sequências de DNA. Fiquei ainda bastante satisfeita de descobrir que para a regulação de insectos praga, todas as espécies de morcego são importantes e que para garantirmos um serviço de regulação diverso e resiliente, é importante conservar várias espécies de morcegos, muitas delas de elevado estatuto de conservação.
3 Qual ou quais os principais desafios que enfrentou? Como conseguiu superá-los?
Diria que o maior desafio para mim foi escrever a tese em si eheh Adoro a recolha e a análise de dados, mas a escrita exije-me uma concentração e estado de espírito que nem sempre consigo encontrar. Para tal tive que me isolar em casa durante um mês e meio, focada única e exclusivamente em escrever. A pressão da deadline e o apoio dos orientadores ajudaram a que conseguisse terminar dentro do tempo esperado.
4 O que ficou por explorar?
Um dos temas que me interessa bastante e que ficou por explorar durante a minha tese é que factores e características dos morcegos ajudam a explicar a sua dieta. Será que o tamanho, comportamento de caça, ecolocalização, etc, explicam o que cada espécie de morcego come? Ou será que espécies diferentes partilham os mesmos recursos? Os dados que obtive permitem-me explorar um pouco mais estas questões, mas infelizmente ainda não tive tempo para as responder.
5 Quais serão os próximos passos enquanto investigadora?
Após a conclusão do doutoramento tive a sorte de ganhar um contracto de Investigador Júnior financiado pela FCT, o que me permitirá seguir a minha investigação durante os próximos 6 anos. O plano por agora é continuar a abordar relações tróficas entre diversos predadores e as suas presas utilizando ferramentas de metabarcoding.
6 O que o levou a concorrer ao Prémio?
Conheço várias pessoas que concorreram a este prémio e algumas até que ganharam em edições anteriores e por isso decidi tentar a minha sorte eheh
7 Que impacto espera que o Prémio tenha na sua carreira e no seu trabalho?
Não tenho muita noção do impacto que um prémio destes possa ter na minha carreira e trabalho, mas acho que acaba por ser um reconhecimento importante da qualidade do meu trabalho e das pessoas com quem tenho a sorte de cooperar.
8 O que gostaria de ver na SPECO que impulsionasse os jovens a seguir investigação em Ecologia?
Acho que acima de tudo o que impede os jovens de seguir a sua investigação em Ecologia, assim como em muitas outras áreas, é a falta de oportunidades de emprego e financiamento. Acho que a SPECO tem feito um bom trabalho em premiar a investigação de alguns jovens ecólogos, mas infelizmente os prémios não chegam. Gostaria de ver a SPECO a lutar pelos direitos dos trabalhadores em ecologia, desde os técnicos de campo, frequentemente explorados nas empresas com míseros honorários pagos a recibos-verdes, ou nas faculdades e centros com bolsas de investigação, assegurando necessidades permanentes das instituições, aos investigadores jovens que terminam as suas teses de mestrado e doutoramento e de repente esbarram com a falta de financiamento público na ciência em geral, e ainda mais na ecologia.
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