Joana Pereira foi a vencedora do terceiro prémio do Prémio de Doutoramento em Ecologia - Fundação Amadeu Dias, organizado pela SPECO.
Joana Pereira, investigadora e antes doutoranda no cE3c (Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, foi a vencedora do terceiro prémio do Prémio de Doutoramento em Ecologia - Fundação Amadeu Dias, organizado pela SPECO.
Joana Pereira desenvolveu um trabalho que demonstra a necessidade de uma visão holística do conceito de vulnerabilidade das comunidades e da sua integração na gestão de áreas protegidas em Moçambique, tendo em vista o objetivo de um modelo de conservação mais socialmente inclusivo. Esta tese demonstra que os problemas sociais e de conservação não podem ser endereçados separadamente, sendo muitas vezes interdependentes.
Destaca, por um lado, o valor de considerar a integração das interações negativas entre humanos e vida selvagem nas análises de vulnerabilidade e de vulnerabilidade nas estratégias de conservação e mitigação dos conflitos entre humanos e animais. Por outro, evidencia que a vulnerabilidade e as interações negativas entre humanos e vida selvagem são afectados por factores sócio-ecológicos que actuam em diferentes escalas. Ou seja, as redes sociais dos regimes de co-gestão e estratégias de conservação comunitárias em Moçambique podem beneficiar da promoção de uma comunicação bidireccional entre as comunidades e os gestores das Áreas Protegidas, para promover o envolvimento activo das comunidades na conservação.
No âmbito da celebração deste marco, e de modo a realçar a importância da sua investigação, a vencedora foi convidada a responder a algumas perguntas, cujas respostas pode encontrar abaixo.
"O que esteve na base do desenvolvimento deste trabalho de doutoramento?"
Começou com a parceria já estabelecida entre o CESAM e a Universidade de Lúrio, em Pemba, no Nordeste de Moçambique, e a necessidade identificada por investigadores e autoridades locais de se perceber melhor que tipo de conflitos entre pessoas e animais estava a ocorrer dentro do Parque Nacional de Quirimbas, e que mecanismos tinham as pessoas para lidar com potenciais impactos. O estudo foi posteriormente estendido a outras áreas protegidas como a Reserva Especial do Niassa e o Parque Nacional de Limpopo. Num dos capítulos, optámos por fazer zoom out do contexto de áreas protegidas para uma perspetiva nacional de forma a percebermos que fatores poderiam estar a influenciar a distribuição de conflitos no país. Dado o contexto de Moçambique, onde comunidades vivem dentro de Áreas Protegidas (APs) e onde as pessoas são vulneráveis a perturbações socioeconómicas e ambientais, a minha tese procurou fundamentalmente compreender o que promove a vulnerabilidade humana dentro das APs e como as APs podem servir como uma ferramenta para alcançar simultaneamente os objetivos de conservação e de subsistência.
"Ao longo deste trabalho qual foi a sua maior alegria?"
Foi sem margem de dúvida o tempo que passei em Pemba – o conhecer e conviver com as pessoas das comunidades dentro do Parque Nacional de Quirimbas, partilhar sombras e conversar com as mulheres de Quissanga-Praia enquanto me contavam o seu dia-a-dia, ou dividir o colchão com duas raparigas da comunidade de Chipembe. Para além das pessoas, as praias e paisagens do distrito de Cabo Delgado deram-me as memórias mais alegres do meu doutoramento.
"Que desafios teve de enfrentar e que motivações arranjou para superar os seus problemas?"
Apesar da beleza e do tempo incrível que passei em Cabo Delgado, esta zona encontrava-se sobre ataque de terrorismo islâmico. Após a minha primeira ida em 2019, a situação agravou-se e muitas das comunidades onde trabalhei foram atacadas e aldeias inteiras foram evacuadas. Ficou muito perigoso entrar no Parque e as atividades de investigação foram cessadas. Juntou-se a pandemia COVID-19 e tivemos de encontrar outras formas de continuar o projeto, e para isso foi necessário uma completa restruturação e adaptação da proposta inicial. Acabámos por replicar a investigação conduzida no Parque Natural de Quirimbas na Reserva Especial do Niassa com a contratação de um técnico local em colaboração com a WCS e o Projeto de Carnívoros do Niassa. Conseguimos outras colaborações com académicos e instituições governamentais que nos facultaram dados, e foi graças a estas parcerias que consegui terminar o meu doutoramento.
"O que ficou por explorar?"
Ficou por explorar como integrar a complexidade do sistema global (por exemplo, a COVID-19, o terrorismo islâmico, a instabilidade política, as catástrofes naturais, a gestão das Áreas Protegidas) nas dinâmicas de vulnerabilidade e interações humanos-animais selvagens. Faltou-me também explorar as interações humanos-animais para além dos impactos negativos diretos causados nos meios de subsistência das comunidades, considerando interações positivas e impactos humanos (positivos e negativos) nas comunidades de animais.
"Quais serão os próximos passos da sua carreira?"
De momento, estou a trabalhar na BirdLife International em São Tomé e Princípe, a trabalhar na implementação de estratégias de conservação em conjunto com autoridades governamentais, ONGs locais e comunidades. No meu doutoramento olhei para as redes sociais e o envolvimento das comunidades na co-gestão do Parque Nacional de Quirimbas, e agora estou a trabalhar lado-a-lado com o governo e grupo de partes interessadas na operacionalização da gestão do Parque Natural de Príncipe. Tem sido entusiasmante ter dado o salto da teoria da minha investigação para a implementação efetiva de ferramentas de conservação recorrendo a mecanismos participativos.
"O que a levou a concorrer a este Prémio?"
O doutoramento é um processo muito longo, muito solitário e que por vezes não conseguimos sentir o reconhecimento e a praticabilidade do nosso trabalho. Concorrer a este prémio permitiu-me sentir valorização pelo meu trabalho e deu-me a oportunidade de disseminar por outras vias a investigação que fiz em conjunto com os meus supervisores e colaboradores.
"Que impacto espera obter com este resultado?"
Apenas que continue a ser um meio de valorização dos doutoramentos realizados em universidade portuguesas, e um meio de disseminação das teses de doutoramento para além do momento de defesa.
"O que gostaria de ver na SPECO que impulsionasse os jovens a seguir investigação em Ecologia?"
Um espaço para a comunicação de bons exemplos de projetos de investigação em ecologia com parceiros e impactos intersectoriais, que se estendam para além da academia, e que mostrem que a ecologia é do interesse público e importante para a tomada de decisão.
"Como tenciona contribuir para aumentar a visibilidade da SPECO?"
Partilhando entre a minha rede de contactos os projetos e iniciativas da SPECO, como a do Prémio de Doutoramento em Ecologia.
"Que conselhos gostaria de dar aos jovens estudantes de Doutoramento?"
Que não têm de passar pelos desafios do que é fazer um Doutoramento sozinhos, peçam ajuda e acompanhamento dos vossos supervisores, colegas e colaboradores.
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