Trazer a Natureza de volta à Europa será crucial para enfrentarmos a crise climática, traz-nos benefícios de saúde – e faz sentido em termos económicos.
Nos últimos 30 anos, a legislação europeia (em particular as Diretivas Aves e Habitats) conseguiu evitar a extinção de muitas espécies ameaçadas. Mas este foi um sucesso parcial: conseguimos desacelerar o declínio, mas não pará-lo – e muito menos revertê-lo. Segundo as estimativas da WWF, 63% das espécies da União Europeia estão em mau estado de conservação. O mesmo acontece com uns estonteantes 81% dos habitats protegidos da UE. Perante estes dados, torna-se evidente que para reverter o mal que já foi feito não basta proteger a pouca Natureza que nos resta. Se queremos enfrentar as crises climática e da biodiversidade, é imperativo recuperar os valores naturais perdidos e degradados.
A própria Comissão Europeia tem vindo a reconhecer essa necessidade, preconizando o restauro de Natureza. A Estratégia para a Biodiversidade 2020, adotada em 2011, apresentava a meta de restaurar 15% dos ecossistemas degradados da UE – mas ficou por cumprir, em grande parte porque esta era uma meta voluntária para os Estados Membros. Assim, a recente Estratégia para a Biodiversidade 2030 compromete a Comissão Europeia (CE) a propor metas legalmente vinculativas para restaurar os ecossistemas europeus, sobretudo os com maior potencial para captar carbono e minimizar o impacto de desastres naturais.
Eficácia económica
Como a própria Comissão faz questão de frisar, esta abordagem faz sentido do ponto de vista económico. Segundo estimativas da Comissão Europeia, o custo de restaurar habitats protegidos pela Diretiva Habitats em 10% do território europeu rondaria os 154 mil milhões de euros, e traria benefícios na ordem dos 1,86 biliões de euros. O custo de não fazer nada? 1,7 biliões de euros. Isto porque estamos a perder Natureza mais rapidamente do que ela consegue recuperar – o que significa que, de ano para ano, estamos a perder capacidades naturais de purificar água, absorver a subida do nível do mar, minimizar o impacto de desastres naturais e enfrentar as alterações climáticas. Entre 1997 e 2011, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) estima que o mundo perdeu 3,3 a 16,5 biliões de euros destes serviços de ecossistemas devido a alterações no uso do território, incluindo a conversão de florestas naturais em zonas agrícolas. No mesmo período, globalmente teremos perdido 5 a 9 biliões de euros devido à degradação do solo em processos como erosão costeira e desertificação. Atualmente, mais de metade do PIB mundial está em risco devido à perda de Natureza. Mas se conseguirmos reverter este cenário, e trazer a Natureza de volta, ela pode ajudar-nos.
Sobreviver à crise climática
Ecossistemas naturais como zonas húmidas, rios e florestas captam carbono, ajudando a mitigar as alterações climáticas. “Nada remove carbono da atmosfera de forma mais eficiente e barata do que a própria Natureza”, pode ler-se na comunicação da CE sobre restauro de Natureza. Quanto mais saudáveis forem estes ecossistemas, e mais biodiversidade albergarem, mais resilientes serão às alterações climáticas. Este ponto foi frisado pelo Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC na sigla em inglês), cujo relatório de fevereiro de 2022 apela a que se implementem urgentemente medidas para restaurar ecossistemas degradados.
Restaurar a Natureza - ajudar um ecossistema que foi degradado, danificado ou destruído a recuperar – não só nos dá maior capacidade para armazenar carbono e assim travar o agravamento das alterações climáticas, como também nos ajuda diretamente a lidar com os seus efeitos. Exemplo disso são as turfeiras do Planalto dos Graminhais, em São Miguel (Açores). Em lugar de ser transformada em mais uma pastagem, graças ao trabalho da SPEA esta área foi restaurada para poder cumprir um papel fundamental. Esta vasta área no topo da montanha atua como uma esponja natural. No inverno, quando caem as chuvas torrenciais características da região (e cada vez mais frequentes no resto do globo, com o agravamento das alterações climáticas) as turfeiras captam e armazenam milhares de litros de água, evitando que ela corra monte abaixo de enxurrada e cause derrocadas e inundações. Ao invés, essa água vai-se infiltrando no solo devagarinho, chegando aos lençóis de água e permitindo que as ribeiras tenham sempre água no verão.
Segurança alimentar
A Natureza é também uma valiosa aliada para a agricultura. Pode parecer óbvio que criar plantas é um processo altamente dependente da Natureza, mas a verdade é que desde a revolução industrial que a humanidade tenta distanciar-se dessa dependência. A mecanização e os avanços da ciência permitiram que a agricultura passasse da subsistência à produção – mas essa intensificação, com o foco em maximizar o rendimento imediato, está a ter consequências devastadoras a longo-prazo.
Agricultura a uma escala industrial requer água em quantidades industriais: constroem-se barragens e sistemas de regadio que sugam a água das redondezas e alteram profundamente os ecossistemas, agravando situações de seca – e, paradoxalmente, aumentando ainda mais a dependência de fenómenos naturais como as chuvas. Por outro lado, a aposta nas monoculturas deixa para trás solos empobrecidos. Também o uso excessivo de pesticidas, longe de salvar as culturas, está a deixá-las em risco. Entre os pesticidas, o desaparecimento de habitats devido à intensificação da agricultura e à expansão urbana, e as alterações climáticas, polinizadores como as abelhas estão a desaparecer da Europa a um ritmo alarmante. A título de exemplo, em 27 anos a Alemanha perdeu mais de 75% dos seus insetos voadores, com os polinizadores a sofrerem reduções particularmente graves. Uma situação que nos deve preocupar a todos, considerando que 84% das espécies cultivadas na Europa beneficiam de polinização por animais, um serviço natural que anualmente vale 10 a 15 mil milhões de euros à agricultura da UE. Estes números mostram a relevância de criar condições que ajudem as populações de insetos a recuperar. No Reino Unido, o projeto B-Lines, lançado pela organização de conservação de Natureza Buglife, está a fazer precisamente isso. O projeto pretende criar “caminhos” para insetos, criando e restaurando habitats ricos em flores selvagens – tanto em pradarias e campos agrícolas como em zonas urbanas, aumentando também a saúde e bem-estar dos cidadãos ao aproximá-los da Natureza.
Melhor saúde
Portanto restaurar a Natureza traz benefícios económicos, ajuda-nos a enfrentar as alterações climáticas – e ainda tem benefícios para a saúde humana. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a fraca qualidade ambiental contribui para 630 mil mortes por ano na UE (12,5% do total de mortes). Restaurar a Natureza permite-nos por exemplo melhorar a qualidade do ar, e aumentar a resiliência a situações extremas como seca e ondas de calor que anualmente causam 13 mil mortes na UE – e que tudo indica irão ser cada vez mais frequentes.
Assim, para além de proteger e recuperar áreas naturais em zonas selvagens, é importante trazermos a natureza de volta aos espaços urbanos. As árvores, por exemplo, ajudam a absorver a poluição sonora, retirar poluentes do ar e reduzir a temperatura das cidades nos tempos quentes. E, é claro, trazer a Natureza de volta aos meios urbanos permite que as pessoas passem mais tempo na Natureza. O que, segundo cada vez mais estudos científicos, é bom para a saúde: um estudo liderado por cientistas da Universidade de Exeter, no Reino Unido, concluiu que simplesmente passar 2 horas por semana na Natureza está associado a melhor saúde e bem-estar.
Oportunidade única
As atuais discussões em Bruxelas são uma oportunidade única para enveredar efetivamente por um caminho mais sustentável, saudável e seguro. Se a União Europeia adotar uma Lei de Restauro de Natureza ambiciosa – com metas que garantam o restauro de uma percentagem considerável dos ecossistemas – e forte – com obrigação de os Estados Membros apresentarem resultados – essa legislação irá ter repercussões noutras áreas. Uma boa Lei de Restauro de Natureza irá forçar os Estados Membros a contemplar mudanças em políticas como a agrícola, do turismo ou das pescas, pois só conseguiremos restaurar a Natureza de que precisamos na Europa se repensarmos a nossa relação com os recursos naturais, e adotarmos usos menos intensivos. Uma Lei de Restauro de Natureza eficaz trará o incentivo a práticas que aumentem a biodiversidade dos nossos campos, distribuam o uso turístico ao longo do ano e do território, e preservem o futuro das pescas, por exemplo criando zonas de exclusão. Estas zonas marinhas, nas quais é proibida toda e qualquer atividade de extração (pesca, mineração, etc.), permitem que a biodiversidade recupere – com efeitos positivos para lá dos seus limites. Por exemplo, e apesar de ter apenas 1km2, a Reserva Marinha das Ilhas Medes, em Espanha, levou a que, em apenas 8 anos, o lucro anual proveniente das pescas e do turismo fosse 13 vezes maior.
Se os Estados Membros não aprovarem uma lei eficaz, não será por falta de disponibilidade orçamental: a União Europeia comprometeu-se a investir 10% do seu orçamento em biodiversidade até ao fim de 2026, e 30% no combate às alterações climáticas entre 2022 e 2027. Com uma boa Lei de Restauro de Natureza, parte desse investimento poderá ser em projetos estratégicos de larga escala, como o Parque Paisagístico Emscher, na Alemanha, que uniu 20 cidades e mais de 100 projetos de conservação para revitalizar um rio e transformar zonas industriais abandonadas num corredor de espaços verdes únicos e simultaneamente criou mais de 55 mil postos de trabalho.
Este pode ser um ponto de viragem para a Europa. Esperamos que os nossos decisores políticos estejam à altura do desafio.
Autora: Sónia Neves/SPEA
Exija uma Lei de Restauro de Natureza forte: www.restorenature.spea.pt
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