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"Temos de Abraçar o Conceito de Desperdício Zero" - A Entrevista a Charles Moore, o Pai da Investigação em Lixo Marinho

A SPECO aproveitou a deslocação de Charles Moore a Portugal para falar com o pai da investigação em lixo marinho no Pacífico.


O convite foi endereçado por Paula Sobral, Presidente da Associação Portuguesa de Lixo Marinho, docente da FCT-UNL e investigadora do MARE.


Depois de encher um auditório na FCT-UNL, visitou a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que o recebeu da melhor forma: mais de uma centena de pessoas à espera de o conhecer e ouvir. Foram precisas duas sessões para que todos tivessem o prazer de conhecer a mensagem e visão do fundador do Instituto de Investigação Marinha Algalita.



Com uma tradição familiar de associação ao mar, o oceanógrafo Charles Moore começou desde cedo a “viver” as águas do Pacífico. Como marinheiro, sentiu-se incomodado ao perceber que mais facilmente encontrava lixo nas suas viagens do que vida: “podíamos ir para o mar ver golfinhos, baleias ou aves marinhas, mas a única garantia era que veríamos lixo”. Não era apenas um fenómeno costeiro, estava disperso e tornara-se a característica mais comum da superfície do oceano. Nunca aceitara o conceito de ilhas de plástico, até ter caminhado na “Ilha Hi-Zex” (ver vídeo), gerada pela acumulação de detritos costeiros lançados ao mar no tsunami que atingiu o Japão em 2011. Foi no oceano Pacífico que a descobriu, na chamada “Grande Depósito de Lixo do Pacífico” cuja descoberta se ao próprio. Localizada no giro subtropical do Pacífico Norte, trata-se de uma zona primordial de acumulação de lixo marinho gerada por ventos anticiclónicos. No momento em que se dá o alerta para a perda da biodiversidade à escala global (ver notícia) e em que as forças políticas reconhecem a necessidade de implementar acções concretas para travar a poluição dos oceanos (ver notícia), ouvir as palavras de quem partilha este problema há décadas não poderia ser mais apropriado.


A dimensão do problema é praticamente imensurável, estamos perante uma escala cujos valores se tornam cada vez mais difíceis – ou mesmo impossíveis – de interpretar. O problema não está nos Estados Unidos da América ou na China, está em todo o lado. “A quantidade de plástico que produzimos todos os anos é igual ao peso de todos os homens, mulheres e crianças do mundo”. A reciclagem fica-se por números inferiores a 10%. Em Portugal, foi inclusivamente noticiada a possibilidade de incumprimento das metas da reciclagem até 2020, após avaliação pela Comissão Europeia (ver notícia).  


Quando questionado acerca da existência de ecossistemas pristinos no oceano, a resposta de Charler Moore foi rápida e directa: “Não.”. O seu argumento é apoiado pelo holandês Evert Mooijer, falecido no passado mês de Abril, e que encabeçava até então a Klaas Puul, uma das maiores empresas europeias de produção e processamento de alimentos de origem marinha. “Já não existem peixes orgânicos, não existem peixes não afectados por químicos de origem humana.”. Poucos minutos antes desta entrevista, Charles Moore havia mostrado inúmeras fotografias com o conteúdo estomacal de peixes amostrados nas suas campanhas. O plástico era o alimento mais comum. A exposição aos agentes marinhos leva a que o plástico se quebre em fragmentos cada vez mais pequenos e tome cores acastanhadas, que o tornam em tudo semelhante a alimento. Além disso, é comum, duas a seis vezes mais comum do que o plankton, a base das cadeias tróficas marinhas (ver artigos 1 | 2). Todos os dias encontrados notícias acerca da morte de vida marinha provocada pela ingestão de plástico (ver notícia). “Já nada é longínquo (…) receio que tenhamos invadido completamente a biosfera com os nossos desperdícios”.


Do que viu ao longo da sua vida, não há nada que o tenha particularmente impressionado. Valoriza a acção em si mesma e o facto de “(…) estarmos finalmente a construir um movimento que está a lutar contra o ataque do plástico.”. O “ataque do plástico” está a ser perpetuado pela indústria do petróleo e pelos lucros que a própria gera e há finalmente quem diga basta. A elevada adesão de estudantes às suas apresentações em Portugal deu base à reflexão de que é a consciencialização das novas gerações que o impressiona, assim como das instituições – como as universidades – que reforçam a necessidade de agir contra as ameaças ao planeta. “(…) E o plástico é uma séria ameaça.”. A solução “está na educação em primeiro lugar e de seguida na acção. Se a educação não levar à acção, não fará a diferença”.


Já demos alguns passos no sentido de resolver o problema. São já vários os países que baniram o uso de sacos de plástico e espera-se que o esferovite siga o mesmo caminho, tal como o uso de palhinhas e a libertação de balões. Mas a ideia de banir produto a produto é apenas a primeira etapa. O planeta precisa que exista uma “mudança radical na concepção e design dos produtos” que permita uma maior reutilização dos mesmos. É nesta fase que enfrenta o “paradigma capitalista” que deseja empurrar a economia e vê-la crescer indeterminadamente. Esta reflexão de Charles Moore põe a descoberto questões e sectores que tendem frequentemente a colidir com o objectivo de desenvolvimento sustentável. Por fim, conclui que “não podemos crescer mais”, dado que “estamos a ultrapassar a nossa capacidade de sobreviver à nossa própria criatividade e produtividade (…)”, estamos numa rota suicida.

É impossível existir uma alienação dos problemas quando os mesmos estão à nossa porta. O oceanógrafo visitou Cascais durante a sua estadia em Portugal e avisou-nos: “vocês não são imunes.”. Admite que consegui encontrar na nossa linha costeira grande parte dos materiais de plástico poluentes que foi elencando ao longo da sua apresentação. É um problema ambiental… mas também um problema de saúde humana cada vez mais reconhecido. Existem já evidências que demonstram que a epidemia de obesidade global pode ter ligação ao facto dos nossos alimentos estarem frequentemente embrulhados em plástico. Charles Moore explica que o plástico liberta hormonas estrogénicas, cuja actividade fisiológica promove a acumulação de gordura corporal, tornando-se assim num importante factor a ter em conta no aumento e prevalência desta condição. Não restam dúvidas de que “o plástico já está a afectar a nossa saúde”. Terá a sociedade conhecimento disso? “Precisamos que tenha”.


A solução da poluição marinha por plástico não está na sua remoção do oceano. Na sua opinião, projectos e iniciativas como a da Fundação The Ocean Cleanup não resolverão o problema. Neste caso concreto, o próprio defende que colocar centenas de metros de redes apoiadas em estruturas de plástico para recolher os detritos ao sabor das correntes é inviável não só por questões técnicas, mas também pelas consequências negativas que pode gerar. Além de ter apontado que a própria degradação do plástico das estruturas emite gases poluentes, levantou questões: como se rebocaria as toneladas de detritos recolhidos para terra?; e se se perdesse uma dessas redes devido a alguma fenómeno extremo ambiental? Existem demasiados riscos. Assim como a nível biológico, visto as massas de plástico flutuantes provocarem a pesca fantasma (ghost fishing) e a atracção e aprisionamento de inúmeros seres vivos. No que toca à remoção do plástico, defende que maneira mais eficaz será nos estuários, captando o que o rio transporta antes de se perder no mar.


Mas antes de remover plástico, devemos por começar por reduzi-lo no nosso dia-a-dia. Como mensagem final, Charles Moore destaca o conceito de desperdício zero (zero waste). “Não vamos aceitar um mundo repleto dos nossos desperdícios (…) temos de abraçar o conceito de desperdício zero” e o município de Cascais caminha nessa direcção, procurando ser a primeira cidade portuguesa a cumprir este tão desejado desafio.


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