Ecologi@ | 8

Espaço e tempo são fundamentais em ecologia. No entanto, enquanto que a ecologia espacial é atualmente um campo estabelecido, a ecologia temporal ainda é incipiente. Num período em que a necessidade de investigação que se possa traduzir em ações de conservação nunca foi tão premente, a inclusão de aspetos temporais em estudos ecológicos é fundamental para assegurar a persistência a longo prazo dos sistemas ecológicos.
A avaliação do impacto da fragmentação de habitat nas comunidades biológicas é um dos maiores desafios em ecologia. Apesar dos intensos esforços de pesquisa, a grande maioria dos estudos sobre o tema baseia-se em projetos de curto prazo e, consequentemente, ainda possuímos uma pobre compreensão das complexidades relacionadas com questões temporais. Tendo isto em conta, o meu doutoramento teve como objetivo principal investigar como comunidades faunísticas tropicais respondem à fragmentação florestal ao longo dos eixos espaciais e temporais, usando morcegos como como modelo biológico. Para isso, tirei proveito do Projeto de Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), o maior e mais longo estudo experimental sobre fragmentação florestal do mundo e de uma base de dados de morcegos amostrados na floresta contínua, fragmentos e florestas secundárias do PDBFF, entre o final dos anos 90 e 2002. Durante o meu doutoramento voltei a visitar estas áreas e, através da captura de mais de 7000 morcegos de mais de 50 espécies consegui, pela primeira vez, analisar as consequências de longo prazo da fragmentação florestal em morcegos tropicais.
A fragmentação é um fenómeno à escala da paisagem. Reconhecendo isto, vários estudos anteriores analisaram as consequências da fragmentação num contexto paisagístico alargado, incorporando métricas de composição e configuração florestal nas análises. Estas métricas são facilmente recolhidas através de imagens de satélite, no entanto, a estrutura da vegetação a uma escala mais fina é ainda difícil de obter recorrendo a deteção remota acabando por ser frequentemente negligenciada. Nos dois capítulos da minha tese dedicados à análise dos efeitos da heterogeneidade espacial nas comunidades de morcegos, expandi estudos anteriores através da incorporação conjunta de informação sobre a estrutura da vegetação e de métricas de composição e configuração florestal a diferentes escalas. A profundidade destas análises foi ainda ampliada pela consideração explícita de métricas de biodiversidade em florestas contínuas, fragmentos, orlas florestais e matriz, permitindo investigar a influência de todo o gradiente de perturbação em paisagens fragmentadas e pela consideração da resposta diferencial de machos e fêmeas. Isso permitiu revelar que as respostas dos morcegos à fragmentação são dependentes da escala de análise e do grupo funcional considerado e que, pelo menos para algumas espécies, as respostas são específicas do sexo, revelando uma complexidade dos impactos de fragmentação que ainda não tinha sido considerada.
A dinâmica temporal nas respostas à fragmentação foi analisada tanto a curto como a longo prazo. Para a análise das respostas a curto prazo (entre 2011 e 2014), usei o re-isolamento experimental dos fragmentos do PDBFF como uma experiência antes-depois controle-impacto (before-after control-impact) para investigar o efeito de pequenas clareiras (ca. 100 m) entre fragmentos florestais e floresta secundária nas comunidades de morcegos. Isso permitiu revelar que embora múltiplas espécies respondam a mudanças abruptas no contraste da matriz, a compreensão destas respostas pode ser comprometida na ausência de uma amostragem em floresta contínua (controle experimental) antes e depois da ocorrência da modificação ambiental, devido à existência de uma grande variabilidade inter-anual nas comunidades de morcegos tropicais. Numa perspetiva temporal mais alargada (entre 1996 e 2013), estudei de que forma a regeneração de florestas secundárias afeta vertebrados em paisagens fragmentadas. Este, que considero o capítulo mais importante da minha tese em termos de aplicabilidade para a conservação, permitiu revelar que enquanto morcegos com afinidades generalistas na escolha de habitat não são favorecidos pela regeneração da floresta secundária, espécies especialistas em floresta primaria são beneficiadas. A relevância deste resultado torna-se clara ao considerar que as florestas secundárias são atualmente o coberto florestal com maior extensão nos trópicos. Isso sugere que a proteção das florestas secundárias pode trazer benefícios consideráveis à conservação de vertebrados tropicais em paisagens fragmentadas.
As paisagens tropicais modificadas pelo Homem estão num fluxo constante com áreas de floresta secundária a ser transformada em zonas agrícolas e vice-versa. Isto leva a paisagens dinâmicas, em que a distinção entre fragmentos florestais e matriz se torna difícil. A minha tese mostra que a gestão das florestas secundárias nestas paisagens dinâmicas pode contribuir de forma significativa para regeneração de paisagens fragmentadas e desta forma mitigar algum do pesado legado deixado pela nossa espécie naquelas que são os bastiões de biodiversidade terrestre do planeta, as florestas tropicais.
Autor
Ricardo Rocha
cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Campo Grande, Bloco C2, 1749-016 Lisboa, Portugal
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